A odisseia dos tontos
Janja é inelegível -- BolsoNero denunciado -- Trump trampando (Ô de Casa!#10)
A odisseia dos tontos
Uma Argentina endividada e com uma economia em estagnação havia quase três anos. A taxa de câmbio estabelecida por lei em 1 dólar por 1 peso tornava as exportações não competitivas e privava o Estado de ter uma política monetária independente. Muitos argentinos, especialmente empresas, temendo um colapso econômico e a possibilidade de uma desvalorização do peso, estavam convertendo suas economias em dólares, sacando-os em grandes quantidades e transferindo-os para contas no exterior.
Duas décadas antes de Javier Milei sonhar em chegar aonde chegou, Fernando de La Rúa já havia feito um estrago sem precedente na presidência da Argentina. Foi ele quem, em 2001, instituiu um bloqueio bancário apelidado de corralito — espécie de Plano Collor de los hermanos —, medida com que pretendia frear a fuga de dólares do sistema financeiro argentino.
O país imergiu em sua pior crise econômica até então. Foi um caos. Manifestantes invadiram e incendiaram o palácio do Congresso, supermercados foram esvaziados, estabelecimentos acabaram destruídos. Dezenas de pessoas morreram entre os dias 19 e 20 de dezembro e o banho de sangue levou La Rúa a renunciar. Ele abandonou a Casa Rosada fugindo em helicóptero.
O vice-presidente, Carlos Chacho Álvarez, havia renunciado um ano antes. La Rúa foi sucedido pelo presidente do senado, Ramón Puerta, que teve 48 horas para convocar eleição pela Assembleia Legislativa. Eleito Adolfo Rodríguez Saá, renunciou também sete dias depois. A partir de então, o cargo passou a ser ocupado pelo presidente da Câmara até que assumisse Eduardo Duhalde, após nova eleição indireta.
A Argentina teve cinco presidentes em apenas duas semanas, um nda invejável record.
Esse drama digno de um tango argentino foi tratado pelo cinema do país em um bem-humorado filme estrelado por Ricardo Darín, A Odisseia dos Tontos (La Odisea de los Giles, na língua nativa). Deve ter sido o último filme que assisti em sala de cinema antes da pandemia.
Em Alsina, uma pequena cidade da província de Buenos Aires, um grupo de moradores havia se unido para comprar silos desativados e montar uma cooperativa agrícola. Juntaram suas poucas reservas financeiras e partiram para uma entusiasmada negociação. Foi grande a adesão e uma considerável quantia foi colocada no cofre de um banco, até que veio o corralito. Para piorar a situação, um advogado oportunista, detentor de informações privilegiadas, aproveitou o momento conturbado do país para sacar milhares de dólares do banco mais próximo, deixando as dezenas de famílias na penúria.
Esse é o motor da trama do filme baseado no romance do escritor Eduardo Sacheri, coautor do roteiro com o diretor Sebastián Borensztein. Fermín (Ricardo Darín) assume a liderança dos moradores e os conduz numa bem-sucedida sequência de ações com vistas a recuperar as economias apropriadas pelo espertalhão.
Como a realidade insiste em plagiar a ficção, 24 anos depois do corralito e mal-passados seis anos do lançamento do filme, a Argentina se vê mergulhada em nova crise econômica, que se arrasta desde o governo de Maurício Macri e que se agravou com o aprofundamento das políticas neoliberais implementadas pelo maluco do pedaço, Javier Milei, que não titubeou quando lhe surgiu a oportunidade de meter nossos hermanos em uma situação que bem lembra la tonteria retratada en la pelicula.
Se os tontos de 2001 confiaram suas parcas economias a um advogado que tentou passar-lhes as pernas — mas foram espertos o suficiente para recuperar o que chegaram a dar por perdido, num final memorável e espetacular —, los giles de hoje caíram na lábia de seu próprio presidente.
Milei é acusado de, ao promover a criptomoeda como uma iniciativa para financiar pequenas empresas e startups argentinas, ter induzido milhares de pessoas a um monumental golpe financeiro, que alcançou vítimas além das fronteiras do país.
Uma publicação feita pelo presidente gerou valorização momentânea do ativo, mas o preço caiu drasticamente em poucas horas, ocasionando um prejuízo de 100 milhões de dólares para investidores. A maioria perdeu o valor investido após compras feitas por pessoas com acesso privilegiado às informações do lançamento. Segundo o promotor que está cuidando do caso, o esquema pode configurar fraude, tráfico de influência e até suborno e, claro, custar o mandato do BolsoNero platino.
Que los giles vitimados por Milei tenham a mesma sorte dos tontos do filme, (tontos, porém bravos guerreiros), recuperem o que perderam (o que, cá p’ra nós, será muito difícil) e, numa reviravolta vingativa, explodam o mandato desse personagem bizarro que a extrema-direita patagã legou à história já conturbada desta nossa amada Patria Grande.
Janja está inelegível
Merval Pereira, o renomado constitucionalista das Organizações Globo, anda escrevendo que a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, estaria em campanha à sucessão do marido.
Segundo comentou a jornalista Hildegard Angel na manhã deste domingo, 23, na TV 247, Merval lembrou que Janja sempre se disse admiradora de Evita Perón, que presidiu a Argentina após a morte do marido, Juan Domingo Perón, o que, de acordo com a lógica impecável do jurista e ministro-sem-toga do Supremo Tribunal Federal, seria indício suficiente da tal pretensão.
O imortal Merval, décimo-segundo ministro da Excelsa Corte, mas primeiro da Academia Brasileira de Letras, por muito distraído, deve ter-se esquecido de que no Brasil isso não é possível. A menos que se altere o art. 14, §7º, da Constituição Federal, Janja está inelegível por vedação constitucional, tanto ela como qualquer dos filhos do atual presidente (inclusive Marcos Cláudio, o mais velho, que é adotado e chegou a ser eleito vereador em São Bernardo do Campo, quando o pai já havia deixado a presidência da República, em 2012; não tendo sido reeleito, abandonou a política, mas, se quiser voltar, terá de esperar que o pai de novo deixe a cadeira presidencial), netos ou parentes até o segundo grau:
Art. 14, §7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Sem prejuízo do que escrevi acima, reivindico a primazia de ter sido quem primeiro elegeu a estimada Janja presidenta da República, nesta crônica de 8 de setembro de 2022 (um dia após o discurso do célebre coro de "imbrochável! imbrochável!") — mas a predição é para realizar-se num futuro ainda bem distante.
Petezada versus petizada
Finalmente, o Procurador Geral da República, Paulo Gonet Branco, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal a ansiosamente aguardada denúncia contra o ex-despresidente Jair BolsoNero, o Messias.
A notícia caiu como uma bomba para o Messias, que reagiu à altura de sua grandeza moral, assim que soube, gritando “ih, ca**ei!” (do português popular, que significa defequei) para a denúncia.

Em atitude de desespero, o líder da bancada trumpista, Edward Little Banana, correu ao Zisteites em busca de ajuda do líder máximo da extrema-direita mundial, Donald Trump. E não é que, depois de incontáveis tentativas, de fato Little Banana conseguiu alguns segundos da atenção do presidente estadunidense?
“In Trump we trust”, não se cansa de repetir o deputado em seu peculiar inglês fortemente acariocado, que tenta convencer os desamparados bolsomínions de que a citação de seu nome, o abraço enviado ao pai e o fato de ter chamado o clã brasileiro de great family (bota grande nisso, Mr. President: zero zero, zero um, zero dois… todos explorando a franquia eleitoral do patronímico) seriam sinais de que o presidente dos Estados Unidos estaria de fato preocupado em livrar Jair das garras do STF, em particular do ministro Alexandre de Moraes.

O discurso da extrema-direita contra a denúncia de Gonet tem-se baseado nos subsídios fornecidos pela banca de advocacia que defende com unhas e dentes os interesses do ex-despresidente, localizada na avenida Barão de Limeira, em São Paulo.
Ora, se O Globo pode ter seu constitucionalista acadêmico prata-da-casa, por que a Folha não poderia ter também seu próprio corpo jurídico-jornalístico?
Segundo os juristas da Folha — à frente, o centauro meio jornalista, meio advogado estadunidense Glenn Greenwald — toda a denúncia é baseada na delação premiada do ajudante-de-ordens Mauro Cid e a afirmação de que este teria sido torturado pelo carrasco ministro Alexandre de Moraes.
Duas mentiras: primeira, não é verdade que a denúncia se baseie apenas na delação premiada, muito ao contrário. Se for extraída da peça toda referência à colaboração do militar auxiliar, ainda sobrará um Yachthouse Residence Club inteiro, sem que se possa verificar uma trinca sequer. Refiro-me ao maior edifício do Brasil localizado em Balneário Camboriú, município onde, por sinal, o último filhote macho Jair Renan, o zero quatro (pay attention, Mr. Trump!), estreou na exploração da franquia eleitoral familiar e foi eleito — cof! cof! — vereador, o mais votado no pleito de outubro passado.
Quem sai aos seus, afinal, não… Ditados, bah!
A segunda, a de que el Cid teria sido torturado por Moraes, quando o que fez o ministro foi apenas advertir, como fazem todos os juízes deste país e, quero crer, de todo o mundo, antes de tomar qualquer depoimento: lembrar ao depoente as consequências de mentir — como é possível ver neste vídeo. É exigência da lei brasileira, doutor Gringowald.
Cid assinou um termo de colaboração em que se comprometeu a dizer tudo o que sabe e, em troca, o Ministério Público obrigou-se a não dar prosseguimento a investigações que vinham sendo promovidas pela Polícia Federal contra seu pai e outros membros de sua família. O rapaz do pega-rapaz pagou, de fato, um preço alto pelo que fez e, sobretudo, para livrar da pena seus familiares mais próximos. Estes, porém, por conta de seu gesto, permanecerão impunes. Enquanto perde imóveis, carreira e amizades, como disse o jovem militar com todas as letras e lágrimas, Jair BolsoNero está saindo milionário dessa história.
Por seu turno, a bancada trumpista, em demonstração de desespero e descontrole absoluto, passou os últimos dias berrando como gado no abatedouro e dando vazão ao seu peculiar espírito quinta-série. Em plena sessão da Câmara, a petizada do fundão repetiu seu costumeiro comportamento e, defensora de uma tal liberdade de expressão, tudo fez na tentativa de calar a boca do deputado Lindberg Farias, líder da petezada, quando este discursava a respeito da denúncia do PGR. O representante da bancada petista teve o tempo de fala retomado integralmente diversas vezes.
Joia rara
A niusléter de semana passada foi produzida de forma tão atropelada que, além de eu ter feito um combo de mula com banana, macaco e até o Abaporu, que entrou na história como Pilatos no Credo, cometi a injustiça de não registrar, aqui, o recebimento de um presente para lá de valioso que me enviou o amigo José Roberto Guedes de Oliveira.
No Facebook, registrei assim o fato:
Olha só a preciosidade que acabei de receber!!!
Presente do querido amigo, escritor e conterrâneo José Roberto Guedes de Oliveira, o Guedes.
Diz ele que estará em melhores mãos estando comigo, mas não posso concordar.
Enfim, espero estar à altura para bem cuidar dessa joia e tirar bom proveito dela.
Caro Guedes, de novo não sei como lhe agradecer.
O presente:
Mais uma vez, muito obrigado, amigo Guedes!
Até…
…a próxima niusléter. Quem sabe meu eu paralelo reapareça.